quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Memórias de um sonho

Três passos à frente e essa seria sua última caminhada. Por um instante ele parou e refletiu sobre a vida, sobre o que o levara a cometer tal ato. As lágrimas em seus olhos denunciavam o pesar que passava por sua cabeça naquele instante.



Os olhos dela eram lindos, tão brilhantes quanto as mais belas jóias existentes. Outrora ele esteve lá sorrindo para ela. Nas ondulações do cabelo castanho escuro dela, ele via seus dedos perdidos, entrelaçados no amor, sentindo seu coração palpitar enquanto o inigualável cheiro dos seus ombros invadia sua mente. Preso por alguns instantes naquele momento que não durou para sempre, seus olhos encharcaram-se das mais puras e verdadeiras lágrimas de amor. O primeiro passo foi dado.


Em uma pequena e singela caixa, ele entregou seu coração a ela, algo parecido com a caixa de Pandora, onde todos os medos e temores de traumas que ele tivera até aquele instante, se dissiparam no momento da entrega. Só sobrou o amor, esse sentimento que alimenta ao mesmo tempo em que aniquila. Ele se lembrou do primeiro beijo, foi algo quase metafísico, nunca ele pôde imaginar que um simples beijo o pudesse levar a algo tão inexplicável, forte e, ao mesmo tempo, não palpável. Um cão que passava por perto nesse instante latiu, ninguém sabe ao certo se em forma de contemplação de um ato tão simples, mas tão profundo, ou se foi por fome.


Ela o ensinou a amar, nela ele encontrou a perfeição, até então mítica. Em menos de um ano de relacionamento a criatura ficou mais forte que o criador. Já não cabiam dentro dele tantos sentimentos. Ela não soube aproveitar a felicidade que passou entre seus dedos. Numa pequena briga ele pôde perceber que estava no meio de um oceano de sentimentos, enquanto ela ainda colocava os pés na areia da praia. Tudo o que um dia foi tão forte, tão feliz, tornara-se frágil, quebrável. Soluçando, ele perguntava-se onde tinha falhado, onde eu errei? O segundo passo foi dado.


A queda não é difícil para quem já está em baixo. Nada do que ele via diante de um passo era novo. Escuridão, vazio, sentimento de solidão, companheiros inseparáveis dele desde o instante que ele desistiu de sua vida quando decidiu findar o seu sofrimento, o sofrimento de amar e não ser amado, o sofrimento de viver só quando se está em dois. A partir desse momento, o tudo virou nada em sua vida. Nada mais fazia sentido. Ele estava decidido a acabar com o que restara de sua vida. Seus punhos cerraram, a respiração acelerou. Ele sentiu a brisa que invadia o seu rosto, fechou os olhos, levantou a perna. Todo o seu corpo já deixava a vida e contemplava o fim do mais bonito sentimento que já existiu. Sua boca seca repetia freneticamente palavras inaudíveis, dessas que não foram feitas para serem ouvidas e, sim, sentidas.


Nesse instante ele ouviu um latido. O mesmo cão que outrora latia enquanto ele era feliz, agora latia diante do seu derradeiro ato. Ele regressou um, dois, três, quatro passos para trás, caiu de joelhos no chão. Toda sua força fora consumida por um amor que foi mais forte que ele. Seus braços caíram ao lado do seu corpo. Seus olhos se tornaram dois afluentes de um grande rio. Ele desistia da morte. O cão, que balançava o rabo a todo instante, assistia tudo calmamente. O homem não sabia explicar o motivo que um latido o fizera desistir. O cão se aproximou do homem, viu seus olhos e lambeu suas lágrimas.


Naquele momento do beijo, o cão não latira de contemplação e nem tinha fome. Na verdade o cão tinha sede, sede de vida. O homem abraçou o cão, levantou-se, e regressou a sua casa na companhia do cão, que ainda balançava o rabo.

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